De férias na Europa, desembargador viu PF pegar R$ 2,7 mi e suspeita de lavagem em mansões

By Richelieu de Carlo

O desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, estava na Europa quando sua casa recebeu a batida da Polícia Federal na Operação Ultima Ratio, em 24 de outubro. O magistrado é suspeito de vender sentenças e lavar dinheiro na compra de mansões no litoral da Bahia e no condomínio Damha, em Campo Grande.

Na residência no Damha, a PF encontrou R$ 2,7 milhões em dinheiro vivo durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão. Enquanto isso, o desembargador, que se aposentou no último mês de junho, estava na França, segundo o site Primeira Página, em viagem desde o início do mês.

Os investigadores apontam que Júlio Cardoso está envolvido no golpe de R$ 5,3 milhões orquestrado pela advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, que teria pago R$ 475 mil pelo ‘serviço’.

O desembargador foi responsável por conceder o efeito suspensivo que impediu, em maio de 2018, o pagamento do montante milionário e, no mês seguinte, revogou sua decisão “sem qualquer fundamentação concreta” e permitiu o prosseguimento da execução mesmo ciente das alegações de falsificação dos títulos executivos. Após investigações da Polícia Civil, ele reconheceu o “erro” de sua decisão.

Para a Polícia Federal, a atuação do magistrado e do juiz de primeira instância foram tão “tão absurdas que dificilmente se trataram de erros, mas sim de atuações conscientes de que estavam participando de um estelionato de mais de R$ 5 milhões, apontando que “venderam” suas decisões e que praticaram crime de corrupção passiva”.

Os investigadores acreditam que o dinheiro fruto da corrupção foi utilizado na compra de mansões em Campo Grande e na Bahia.

O desembargador Júlio Cardoso adquiriu uma casa em condomínio de luxo, próximo à praia, declarando em escritura o valor de R$ 1.483.660,00. Há indício de ocultação de parte do valor pago, o que pode configurar crime de lavagem de dinheiro, tendo em vista a utilização de dinheiro em espécie de origem desconhecida (R$ 556.400,00), além de outros valores de origem também desconhecida, podendo ser decorrentes de corrupção.

Em pesquisas na internet, os investigadores encontraram anúncio de venda com imagens que correspondem exatamente à casa adquirida pelo desembargador, pelo preço de R$ 1,9 milhões, informando que a casa possui área construída de 436 m2 e área total de 1.000 m2. Além disso, dados obtidos do magistrado indicavam o valor de R$ 2,5 milhões do imóvel.

“Assim, a nosso ver, tudo indica que JULIO CARDOSO tenha u lizado mais de R$ 1 milhão de origem desconhecida (R$ 556.400,00 depositados em dinheiro em espécie por JULIO CARDOSO na conta bancária de GUSTAVO OLIVEIRA e boleto no valor de R$ 509.340,00 pago em agência do Bradesco em Campo Grande/MS constando que GUSTAVO seria o pagador) para a aquisição da citada casa de praia na Bahia, sendo que, diante da suspeita de venda de decisão judicial, é possível que se trate de dinheiro ob do por meio de corrupção”, diz a PF no inquérito enviado ao Superior Tribunal de Justiça.

Já a casa no condomínio Damha I, em Campo Grande, onde o magistrado aposentado informa morar atualmente, há indícios de que Julio Cardoso declarou valor de aquisição de tal imóvel abaixo do real para ocultar a origem dos recursos utilizados, podendo ter natureza ilícita.

Na escritura de compra e venda do imóvel, de maio de 2018, consta o valor de R$ 1,4 milhão. A PF informa que não foi possível esclarecer qual a origem do dinheiro utilizado na aquisição da casa, havendo notícia apenas do pagamento de um cheque no valor de R$ 450 mil.

A fim de verificar a possibilidade de que o desembargador tivesse financiado o restante do valor utilizado na compra de tal casa, os investigadores constataram que em sua declaração de imposto de renda daquele ano havia apenas a informação de uma dívida de empréstimo de R$ 450 mil.

“Portanto a única dívida que JULIO CARDOSO declara ter contraído em 2018 foi o empréstimo integralmente transferido para MAURO BOER no valor de R$ 450 mil, persistindo que o pagamento por ele de cerca de R$ 1 milhão na aquisição de tal casa  não consta nos dados de sua declaração de imposto de renda, nem consta nos dados bancários recebidos na presente inves gação”, diz a PF.

A polícia afirma também que o imóvel possui valor “muito superior” aos R$ 1,4 milhão. Uma casa semelhante foi vendida no mesmo condomínio por R$ 2,2 milhões em 2017. Dois anos depois, em 2019, dois terrenos vazios foram anunciados por 1,5 milhão.

Casa no Damha onde reside o desembargador Júlio Cardoso. (Foto: Reprodução)

“Portanto, além de não constar nos dados fiscais e bancários recebidos com os afastamentos de sigilo a forma como JULIO CARDOSO efetuou o pagamento de R$ 950 mil a MAURO BOER, há fortes indícios de que o valor real de tal negócio é muito superior aos R$ 1,4 milhões declarados, resultando na possibilidade de ocultação (lavagem) de recursos obtidos ilicitamente decorrentes de corrupção (vendas de decisões)”, afirma a investigação.

Além da busca e apreensão, a Polícia Federal pediu a prisão preventiva do aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso, mas foi negado pelo ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça. O magistrado concordou com manifestação do Ministério Público Federal, que considerou a “medida extrema” e não deveria ser adotada nesse momento, sendo necessário apenas a adoção de medidas cautelares. 

Além mandar a PF recolher dinheiro, documentos, computadores e dinheiro, o ministro Francisco Falcão determinou o afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça e o monitoramento por meio de tornozeleira eletrônica: Sérgio Martins, Sideni Soncini Pimentel, Marcos José de Brito Rodrigues, Vladimir Abreu da Silva e Alexandre Bastos.

Também afastou Osmar Domingues Jeronymo e o juiz Paulo Afonso de Oliveira, da 2ª Vara Cível de  Campo Grande.

O outro desembargador aposentado investigado é Divoncir Schreiner Maran, que já foi alvo de outra operação, denominada Tiradentes, que investiga venda de sentença. Ele é acusado de conceder habeas corpus para o narcotraficante Gerson Palermo, condenado a 126 anos de prisão durante o feriadão do dia 21 de abril de 2020

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